terça-feira, 20 de setembro de 2011

As cores impressas em pequenos olhos

E então eu me pergunto se teria como não gostar, não se encantar...

Tanto carinho, afeto e carência só poderiam refletir em mais carinho, afeto e sorrisos.

Naquele momento, eu vi meus pré-conceitos serem desestruturados e minha vontade de querer ver mudança crescer. Eu vi mãos, braços, vozes e corações em mim. Eu vi tanta coisa...

Gostaria de deixar gravado, de alguma maneira, o turbilhão de sentimentos e emoções que me invadiram quando tive o primeiro contato com as crianças da Escola Municipal Francisco de Melo. No começo a timidez é normal, mas eu não poderia me intimidar. Eu precisava conhecer. Só que no andar da carruagem, eu preferi “desarmar”. Eu optei por eles me conquistarem e vice-versa. Eu optei por ser eu e os deixar serem eles. A troca deu certo. E o resultado foi um momento inesquecível para mim.

Saber, previamente, de todos os problemas que fazem, de uma forma mais aguda, parte do cotidiano deles foi bom e ruim. Bom, pois sabemos onde será nosso foco, o que queremos mostrar e o que pretendemos atingir. Ruim, pois criamos barreiras. De uma forma que não exige querer, apenas pré-disposição. E de acordo com a cruel realidade que vemos nas comunidades, pré-disposição é o que não falta.

Triste é saber que por trás de maquiagens exageradas, unhas pintadas, palavrões, mini-saias, danças, jeitos e trejeitos que têm como legenda a palavra sexo, existem crianças. Sim, crianças mesmo. Crianças que gostam de brincar de boneca (o), carrinho, amarelinha e tantas outras brincadeiras que foram cortadas cedo pelas brigas recheadas de falta de respeito mútuo dos pais, pelas fortes palmadas que receberam, também da vida, pelo tráfico que nunca se intimida, nem sob os pequenos olhos, pelo sexo explícito.

Talvez para você, leitor, não seja chocante ver uma menina de 12 anos fazendo balãozinho com camisinha ou ver um menino de 13 anos falar obscenidades, uma criança com corte no pé e enrolado em um pano sem a mínima condição de higiene ou uma outra sem sandália, indo à escola descalça. Para mim é muito mais por ter visto e vivenciado que essas crianças têm sonhos...

Sonhos que não cabem em seus respectivos peitos. Sonhos que transpõem os muros, barreiras e preconceitos que cercam a comunidade. Sonhos que são refletidos nas cores dos pequenos e lindos olhos. Sonhos coloridos, alegres e diversos.

Mas esses sonhos parecem tão distantes.

E por querer que essa chama continue viva dentro deles, que a esperança não esmoreça é que eu continuo nessa caminhada. A extensão me proporcionou ver um mundo que, até então, não cabia no meu umbigo. Permitiu-me sonhar também. Sonhar com um mundo melhor e com menos desigualdade social. É difícil, eu sei. Mas enquanto houver esperança em algum deles, haverá em mim. E assim a gente vai levando a vida. Assim, vamos caminhando e torcendo.

Assim, vamos buscando, lutando e metamorfoseando. Por mim, por você e por eles.

Por Itamara de Almeida
Escola Municipal Francisco de Melo

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