sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Hoje fizemos mais uma visita a escola Frei Damião. Ao chegar lá recebemos a notícia, de uma das alunas que estavam na porta, de que a professora havia faltado, logo, nenhum dos alunos de sua turma se encontravam na escola. Não fiquei surpresa, o fato já ocorrera outras vezes, mas a decepção foi inevitável. Nos olhamos, eu e o outro membro da equipe, sem sequer uma palavra houve uma longa conversa e a conclusão foi: mais um dia perdido...

Entramos para falar com a coordenadora pedagógica, sem muita expectativa, ela nos recebeu muito bem, nos sentamos e explicamos o que havia acontecido e da nossa decepção, porque esse fato iria atrasar todo o nosso cronograma. Ela nos ouviu com atenção. Algumas farpas atiradas na direção da professora, que já havia feito isso outras vezes foram inevitáveis, e em meio as nossas ponderações, desabafos, a conversa tomou outro rumo:

“Ela era uma de nossas alunas”

Fiquei surpresa, na verdade foi um misto de sentimentos: surpresa, agonia, remorso. A moça que há pouco tempo havia sido morta da maneira mais cruel e brutal, que teve seus braços e cabeça decepados, era uma aluna da Frei Damião. Não pude evitar lembrar as imagens que me foram mostradas de seu corpo e uma sensação indescritível tomou conta de mim...

Pensei nela como um dos nossos, no início do programa cogitamos a idéia de trabalhar com os jovens do EJA. Pensei e se tivéssemos mesmo escolhido alunos do EJA para o programa? E se ela fosse uma das selecionadas? E se eu tivesse construído um laço tão forte com ela, como o que construí com os pequeninos? Se tivesse conversado com ela, se ela tivesse me contado sobre seus filhos pequenos? Se tivesse me contado como era a vida na Frei Damião? Se tivesse me falado que estava cansada de ver tantas crianças sendo arrastadas para as drogas e que como não queria ver seus meninos nessa situação tinha resolvido tomar uma atitude, denunciar o que estava acontecendo? Qual teria sido aminha reação? A teria aconselhado a ir adiante ou recuar?

Eu sei que são muitas suposições, mas reconheçamos que nenhuma delas eram impossíveis. Admirei tanto aquela mulher, sua coragem. Por denunciar um esquema de drogas que acontecia na parte exterior da escola. Por velar, se preocupar e proteger seus filhos, ela foi punida. Para mim, e não importa o que digam os pasquins de plantão, ela foi uma mártir, para os que não sabem o significado, são aqueles que não se preocupam com a própria vida com tanto que não renunciem sua fé e suas crenças. Tenho certeza que a fé dela estava em seus filhos.

Senti vergonha de ficar decepcionada e com raiva de algo tão efêmero, havendo tanta gente que tem que conviver com histórias como essa todo o santo dia. Termino meu desabafo com uma frase que uma das crianças da minha equipe soltou em meio a uma conversa, que expressa o descontentamento e a falta de perspectiva: Aqui é assim tia, quem faz a lei são eles, os bandidos.



Por Keren Lima
Escola Municipal Frei Damião

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